quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Devaneios

Recife, final de novembro, 16h47min, sexta-feira, Agamenom Magalhães sentido Olinda.
“Poxa novamente estou atrasado!!! Vai chegar o dia em que a cidade vai parar!!!”
Mas o problema é que ele ainda estava na Ilha do Leite e tinha uma reunião em um empresarial na Boa Vista às 17hs.
O calor de 33º que fazia na rua e lembrava sua infância no sertão já não assustava mais, afinal havia pagado mais de R$ 200 mil em seu carro. “O mínimo que se espera é que o ar condicionado funcione.” Dizia a seus amigos entre um gole de scotch e outro.
Mas, de repente, a rádio de notícias que ele costumava ouvir saiu do ar. Quando partiu em busca de algo para ouvir, se depara com a música “Luar do Sertão”. Essa música que sua mãe ouvia em um radinho de pilhas velho que maL sintonizava uma estação, naquela casinha de taipa perdida no sertão pernambucano, que pertencia a um pequeno sítio onde seu pai cultivava feijão de corda e milho, além de umas poucas cabras, muito pouco para alimentar uma família de 12 pessoas.
Sem esperar, ele sente como se saísse de seu corpo e viajasse para lá.
Já não vestia seu terno Armani, nem tampouco usava seu perfume Ferrari ou seu relógio Bvlgari.
Voltou a ser o menino que, aos dez anos sonhava em aprender a “conhecer as letras”. A realização de sua vida seria ler seu nome. Mas isso parecia algo inatingível, afinal seus pais também não sabiam ler seus nomes.
Naquele momento sentiu o ar quente do sertão enchendo seus pulmões, as brincadeiras com seus irmãos, não todos os nove, mas os três ou quatro que tinham aproximadamente sua idade; o Tonho, o Chico, a Zefa e o... Como era mesmo o nome do outro? “Não lembro, só lembro que ele faleceu com nove anos.” Sempre ouviu sua mãe dizendo, aos suspiros, “Sabia que esse menino não iria se criar...”
Por vezes a única refeição era uma lasca de rapadura, quantas vezes ouviu sua mãe chorando, ou pela iminência da perda de um filho, ou pela condição de miséria.
Uma lágrima brota de seus olhos, mas um som oco o desperta desse transe, é o rapaz que limpou o para-brisas, pedindo uma moeda.  O sinal abriu... É hora de voltar à vida corrida... e ele segue atrasado.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Máquina do Tempo

Quem já chegou de avião a Porto Alegre talvez nunca tenha reparado na beleza do sobrevoo sobre o Rio (ou Lago) Guaíba.
Mas, para mim, e possivelmente para todos os gaúchos emigrados para fora da Província de São Pedro, essa imagem simplesmente toca, cala fundo o peito.
O mais curioso, e aí sim, especial só para mim, é o que se vê à direita da aeronave, olhando para o Sul da Capital de Todos os Gaúchos.
Há uma sucessão de locais que me trazem lembranças e, o mais curioso, esses lugares apresentam essas lembranças em ordem cronológica, quanto mais ao Sul da cidade, mais recentes as lembranças.
Partindo da Ponte do Guaíba, temos a parte do Cais onde se encontravam os depósitos de areia e materiais de construção, lugar onde meu pai trabalhou a vida inteira e aonde eu ia “trabalhar” com ele nas férias escolares ao longo da minha infância.
Correndo os olhos na direção Sul, vem a parte central do Cais, aí chegam as lembranças de minha tenra adolescência, ali pelos 15 anos, quando era office-boy e literalmente corria pelo Centro da cidade todinho.
Mais um pouco ao Sul e temos a Usina do Gasômetro, local de onde se visualiza o segundo pôr-do-sol mais belo do planeta, ah meus 18 ou 19 anos, namorar no Gasômetro era algo fantástico.
Seguindo para o Sul, temos o estádio Beira-Rio que, embora eu freqüente desde os 16 anos, traz grandes lembranças de minha idade adulta, com títulos de Libertadores, Sulamericana e Recopa, além de jogos memoráveis como vitórias sobre o Boca Juniors, o São Paulo, o Chivas e, é claro, nosso filho preferido, o Grêmio.
Diante de tantas lembranças, somadas à saudade e à ansiedade em rever pessoas amadas, fui tomado por uma emoção fortíssima e simplesmente chorei. Chorei como a criança que caía em meio aos montes de areia e esfolava os joelhos, chorei como o jovem que conseguiu o primeiro emprego, ou como o guri apaixonado que conquistou sua primeira namorada ou ainda como o torcedor que conquista um grande título em seu estádio. Pode ser tudo isso, mas eu sei que esse choro é de um filho que retorna a sua terra amada, que sente estar religando seu cordão umbilical à uma força maior que só existe ali, esse choro é de alegria, satisfação e, sobretudo, de ansiedade pois sei que grandes são os momentos que estão por vir.